Malévola, mulher de fases...

Meu amigo me perguntou: “Por que todas as mulheres querem assistir ao novo filme da Disney, Malévola?” Vamos por fases.

Malévola - adj. Que possui uma péssima índole; que é má; malvada
Que causa o mal a alguém; que tende a ser perniciosa; maléfica
(Etm. Do latim: mallevolus/malivolus.a.um)

No filme A Bela Adormecida, produzido pela Disney em 1959, Malévola se apresenta como uma personagem fictícia e principal antagonista. Ela se auto-proclama como a "Senhora de Todo o Mal", que, depois de não ter sido convidada para o batizado de Aurora, amaldiçoa a bebê, dizendo que quando ela completar 16 anos tocará no fuso de uma rocha e morrerá.

A luta do bem e do mal, sempre esteve presente nos contos da Disney. A mais antiga das vilãs é a Rainha Má, a principal antagonista do filme de 1937, Branca de Neve e os Sete Anões. Determinada a permanecer como a mais bela de todas, a rainha cria um ciúme doentio por sua enteada Branca de Neve, a única cuja beleza supera a sua. Ela finalmente usa magia negra para se transformar em uma bruxa, em uma última tentativa de acabar com sua rival. No início dos projetos do filme, ela seria uma obesa atrapalhada, mas com o passar do tempo, sua aparência mudou para uma beleza sinistra. É a mais ameaçadora vilã da Disney. Mas não podemos esquecer-nos da Lady Tremaine, também conhecida como A Madrasta Malvada, principal antagonista do filme Cinderela. 

A Lady Tremaine não prejudica a enteada fisicamente, mas procura destruí-la psicologicamente, motivada pelo ciúme da beleza de Cinderela, principalmente pelo fato de que suas filhas são feias. Tremaine também é uma socialite, determinada a ganhar o maior status ao casar uma de suas filhas com o Príncipe Encantado.

Walt Disney em seus contos, sempre procurou adequá-los aos acontecimentos ocorridos na época em que foram escritos. Isso fazia com que as crianças se identificassem às personagens e pudessem acreditar em um “final feliz” para suas vidas, diante das guerras, doenças e mortes, muito frequentes neste período. Um exemplo disso está na figura das personagens descritas acima.
A palavra madrasta, deriva do Latim MATRASTRA, “mulher do pai”, de MATER, “mãe”. Essa palavra levou a má fama provavelmente a partir dos contos de fadas, que foram registrados numa época em que muitas vezes as mães faleciam no parto e em que o pai não demorava em se unir a outra mulher, para quem, filhos de um casamento anterior do marido nem sempre eram bem-vindos.

Mas, voltando a pergunta do meu amigo, a princípio pensei que o desejo feminino pelo filme fosse por conta simplesmente por se tratar de um novo conto de fadas, onde poderíamos extravasar nossas emoções e alimentar mais uma vez nossos sonhos de princesa. Mas após assistir ao filme, pude perceber que existia também uma vontade de saber a origem da personagem e motivos que levaram Malévola a se tornar má.
Mas minha resposta ainda não estava completa, sabia que tinha algo subliminar para despertar esse desejo. Foi aí que minhas aulas de marketing e minha atuação me conduziram ao desfecho da minha descoberta: A Disney seguiu os passos geniais de marketing de seu fundador.

Malévola, o live-action re-imaginado da Disney, busca novamente a identificação de mulheres e meninas às suas personagens diante dos acontecimentos e comportamentos da relação mãe/madrasta e filhas/enteadas nos tempos atuais.

Como no filme, a figura da madrasta vem mudando, pois diferente daquele tempo, as mães continuam vivas, apenas não estão mais casadas com os pais.  Podemos atestar essa mudança com o renomeio do termo madrasta para boadrasta. A ideia das “fadas madrinhas”, seres (elementais da natureza) protetores enviados por Deus, já era! Como fadas, que nunca tiveram filhos e não têm sentimentos humanos, saberão cuidar de uma criança? Já Malévola, mesmo sendo fada, desde pequena tinha uma relação estreita com o jovem humano Stefan, por quem se apaixonou anos depois. Mas a fada Malévola, a toda poderosa do reino de Moors, não imaginava que Stefan tinha voltado a procurá-la apenas para cumprir o trato de matá-la e assim assumir o trono. 

Como prova de sua morte, o jovem cortou-lhe as asas, humanizando-a. Um dos piores sentimentos humanos tomou conta do coração da fada: a traição. Desacreditada de qualquer forma de amor, descontou toda sua fúria vingando-se da filha de Stefan, Aurora. Essa cena não te parece familiar? Amaldiçoou a recém-nascida Aurora, que ao completar 16 anos picaria o dedo no fuso de uma rocha e cairia em sono profundo, mas acrescentou que o feitiço acabaria se a doce moça recebesse um beijo de amor verdadeiro e que nenhum outro poder da Terra poderia mudar a maldição.

Assim como muitas madrastas de hoje, Malévola, mesmo que relutante, cuidou da princesa e após algum tempo já se entendiam e, sem saber, criavam um laço de amor. As crianças, como Aurora, com sua pureza conseguem sentir o que está por trás das máscaras ou mecanismos de defesa dos adultos e, mesmo que muitas vezes com atitudes desafiantes, nos fazem ganhar consciência de que estão sendo alvo injustamente de nossas frustrações anteriores a elas. Foi esse ganho de consciência que fez a malvada, após o beijo em vão do príncipe Phillip, beijar a testa da moça e acordá-la da profecia para seu espanto. Naquele momento, Malévola percebeu que sentia amor novamente, mas um amor diferente, entre ela e a filha do homem que amara.

Acho que em muitos casos que atendo e até por experiência própria, a origem dos desentendimentos entre madrasta e enteada se dá pela ideia de que uma vai tirar o “homem” da outra. Daí a rivalidade e a forma da menina tratá-la como substituta da mãe. Isso pode explicar o termo em inglês para madrasta: stepmother. 
 
Os Seres da Nova, como Aurora, vêm despertando, cada um com seu jeitinho, o amor que muitas vezes estava reprimido nos adultos e com um simples: “Esta é minha tia ou esta é minha mãe do coração” preenche nosso coração machucado pelo tempo.

 

(Por Andréia Hacker)

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