Quando o amor sufoca

Interessantes alguns dados estatísticos, não é? O número de feminicídios no Brasil e no mundo é alarmante. É surreal. A quantidade de mulheres que morrem vítimas dos maridos, namorados e, principalmente, dos ex-companheiros é assustadora. Isso nos remete àquele mito de que, no período Neolítico, os homens agrediam as mulheres com os tacapes e as levavam para a caverna, com o intuito de se reproduzirem. Sabe-se que isso não passa de “folclore”, mas retrata muito bem a realidade que vivemos hoje, justificando a violência contra a mulher.

Por que isso tudo acontece? Para ser bem honesta, eu não tenho todas as respostas. Um misto de cultura, cérebro reptiliano e babaquice, talvez. Ou o desejo masculino de transformar a mulher em um objeto – da mesma forma como eles têm um carro, uma moto ou mesmo uma coleção de carrinhos Hot Wheels. A sensação é de que somos coisas, em vez de pessoas. Coisas que devem obedecer e ficar quietas. E, quando não fazemos isso, quando não agimos assim, somos violentadas, amordaçadas, mortas. E sabe-se lá mais o quê.

Mas essa é a parte fácil da história, acredite. Quando um homem qualquer te dá uma ordem, grita com você ou te xinga, por mais dolorido que seja, você sabe onde está o inimigo. Você sabe que aquilo não é certo, mesmo que demore uns meses para você aceitar que está namorando um “homem das cavernas”. O problema é quando eles não são das cavernas, são inteligentes e perspicazes.

Eu já atendi muitas mulheres que – pasmem! – não sabiam que estavam num relacionamento abusivo. Por anos, décadas. E pior: elas morreram "secas", velhas e acabadas sem saber. Eu vi homens “comerem” suas esposas no almoço e no jantar por anos, até que elas não tivessem mais nenhuma energia vital. Testemunhei mulheres adoecendo – da cabeça e do corpo – a olhos vistos, porque alguém decidiu que elas eram objetos para serem usados.

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Não é mais sobre narcisismo ou psicopatia. É sobre como as relações entre o feminino e o masculino ainda acontecem. E não ache que isso é somente dentro de um relacionamento de casal. Vi homens fazendo isso com irmãs, filhas e até mesmo a própria mãe. Portanto, o que achamos que é uma relação abusiva, um amor que sufoca e mata, é muito mais do que ter o “dedo podre” o amor. Pode ser um buraco muito mais profundo e difícil de identificar.

O que acontece é que a relação amorosa costuma repetir o padrão de relações anteriores – que a pessoa viveu ou presenciou. Uma mulher que viu a mãe ser abusada pode acabar atraindo um abusador. Uma mulher que foi abusada por membros da família tende a buscar pessoas abusadoras como companheiros e repetir o padrão até que não dê mais tempo.

Consciência é isto: saber que não existe só um tipo de abuso e que aquele que você vive é uma repetição do passado. Entender que, quando dói – por dentro ou por fora –, é porque está errado. É não ter medo de encarar o desafio que é olhar para a própria dor para curá-la.

Não vamos acabar com a morte de mulheres com campanhas do governo ou outdoors pela cidade. Vamos acabar, num futuro bem distante, mudando a nós mesmas. Não aceitando, não concordando e apontando o dedão, sim, para aquilo que consideramos abuso ao nosso redor. Abrindo a nossa mente para entender o que é um abuso, o que é esse dito amor que sufoca. Entendendo que nem sempre, quando nos sentimos fracassadas, estamos mesmo sendo.

Às vezes, isso é só um sintoma de um sistema todo errado. E a cura é olhar-se e curar-se, em primeiro lugar.


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