Explante, saúde e a norma da estética

Resolvi escrever esse texto depois que minha esposa decidiu realizar um explante. Para quem não sabe, explante é a retirada de próteses de silicone das mamas. A mulher não as substitui, mas sim as retira. Visitei alguns médicos com ela e pude vivenciar de perto algumas questões que ela teve de lidar para que conseguisse concretizar sua decisão.

Nesse texto quero falar sobre toda questão psicológica que envolve o explante. Irei separar em tópicos para que a leitura se torne mais fluída, pois afinal se trata de um tema bastante complexo e difícil, e eu como homem, não consigo ter todo vislumbre que é essa questão. Dessa forma, colocarei minha visão como profissional da saúde mental, que é o que me cabe.

Autoestima e normalização da beleza

Mulher branca de toalha na cabeça enquanto passa batom.

A mulher que busca o implante possui uma questão com sua própria visão de si mesma. Seja qual for o motivo, a busca por procedimentos estéticos é algo presente em nossa sociedade, por causa de uma normalização, uma regra do que é ser bela.

Esse tipo de estereótipo gera muito sofrimento, pois há uma cultura machista de definição da beleza. Não é à toa que a maioria dos cirurgiões que colocam próteses são homens. Dificilmente achará uma médica para realizar tal procedimento. Assim, os homens impõem qual a beleza que a mulher deve exercer. Sem contar a cultura de sexualização do corpo feminino, que para isso basta olhar cartazes de langerie, filmes, novelas e toda mídia existente.

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Mesmo assim, o senso de beleza é algo que modifica com o tempo. Na década de 90 por exemplo, as mulheres tinham que ser muito magras para serem consideradas belas. Esse conceito, especificamente no Brasil, mudou quando se tem a ideia que a mulher precisa ter seios fartos e um corpo volumoso. Desde que é claro tenha uma cintura fina.

Lidando com a autoimagem e a liberdade com seu corpo

Isso impacta na questão narcísica da mulher, pois se ela tem seios pequenos, sente que não se adapta a uma norma estabelecida, que diz que mulheres lindas possuem grandes seios. A autoestima fica comprometida e uma autoimagem do corpo se forma. Talvez você não saiba disso, mas a visão que temos de nós mesmos varia de acordo com nosso humor. Exatamente, se algum dia você acordou se sentindo feia com certeza é porque seu humor estava mais para baixo. Ressaltamos com nosso olhar as “imperfeições”.

Obviamente, cada pessoa possui a escolha de fazer o que quiser com seu corpo, mas essa norma fica clara quando um dos médicos que visitamos (e foram muitos) pede a minha esposa que faça uma avaliação psicológica para poder tirar seu implante. Ora, considera-se que a pessoa perdeu a razão por querer tirar seu implante? Por que deseja sair de uma norma? Porque quer sua saúde? Focault falava sobre o controle dos corpos e isso bem ocorre nesse exemplo. Um homem pede avaliação para que seja possível tirar o controle do corpo da pessoa para que ela não fuja de uma norma padrão.

Apego ao corpo da beleza

Podemos pensar que há também um apego ao corpo em nossa sociedade. Uma ostentação de uma beleza que jamais se esvai. As próteses e procedimentos estéticos são o símbolo que negam o envelhecimento. Muitas pessoas, em geral mulheres por causa da pressão em seus corpos para serem perfeitos, se submetem a procedimentos cirúrgicos para retardar o envelhecimento.

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Podemos dizer que há um apego a um corpo jovem e estereotipado. O homem precisa ser sarado e a mulher precisa ter a barriga negativa, seios fartos, sempre maquiada e com o cabelo bem feito. As rugas, machas, e “imperfeições” são negadas, excluindo assim o que chamamos de feio. Esse apego gera sofrimento, pois não podemos aceitar algo que faz parte de nossa natureza: envelhecer.

Lidando com o explante

A mulher quando decide retirar suas próteses lida com todo tipo de obstáculo externo e interno. Médicos dizendo que ficará com peito masculinizado (norma do que é o feminino), que ela pode se sentir triste, que é uma moda. Tem que lidar com a família ou o cônjuge que podem não aceitar e com a pressão social de não ter peitos fartos. Fora isso, precisam aprender a viver com uma readaptação a sua autoimagem e de não se sentirem feias. Essa sensação de ser feia é por não estar dentro de um padrão de peitos robustos, cumprindo uma função de erotização para o masculino. Como se o seio tivesse apenas a função erótica e sensual de existir.

Entendermos que a beleza é um padrão estipulado em nossa mente, sendo bombardeada continuamente por várias mídias, é uma maneira de sairmos desse padrão cruel que gera sofrimento às mulheres. Durante o Século XV, por exemplo, o padrão de beleza era ser mais gordinha, pois as magras eram vistas como pessoas sem saúde. Isso prova que a beleza é definida por uma regra que possui data e tempo.

Não precisamos seguir a norma e nem a regra. Se fizermos isso estamos criando outras formas de existência, outras maneiras de se conviver e de viver.

Adoecimento

Mulher branca deitada num tapete felpudo.

Ao entrar nesse ponto, vi que muitas mulheres reclamam que, após a colocação da prótese, perdem parte de sua saúde e vitalidade. Seja com dores, perda de cabelo ou diversos sintomas. A saúde é um ponto fundamental aqui. Pois muitos médicos dizem não haver relação entre a perda de saúde e a colocação das próteses.

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Se a mulher não deseja mais manter por achar que há um risco a sua saúde é de seu direito a retirada desse corpo estranho. De qualquer forma, já há pesquisas nesse sentido que falam sobre problemas gerados pelas próteses. Um deles pulicado na Annals of Surgery, sendo um dos maiores estudos já realizados. Publicado em 2019, esse estudo relata que os implantes estão relacionados a taxas mais altas de artrite rematóide e melanoma, por exemplo.

Mesmo assim, médicos se negam a aceitar esse fato e como possuem uma questão social de detentor do conhecimento, levam suas pacientes a desistirem ou acharem que os sintomas que sentem não são por usas próteses. Um médico que visitamos disse que minha esposa deveria apenas trocar e que isso seria um problema que iria ter que tratar apenas em 10 anos. Nessa visão, a saúde acabe se tornando um preço a pagar pela estética.

Liberdade

Mulher negra passando produto no rosto.

O que devemos entender é que o corpo é um lugar de escolha e de liberdade. A mulher não deveria ser questionada nem quando coloca e nem quando retira os implantes. A crítica em cima do corpo só mostra o quanto ainda se tenta manter o controle na mulher por diversos métodos. A liberdade de escolher a configuração de nosso corpo por muitas vezes nos é tomada por formas sutis de constrangimento.

Nenhuma pessoa deveria se sentir envergonhada por ter um corpo de determinada forma. É algo muito cruel de se fazer. A norma só atende a questão comercial e machista do controle. Não precisamos nos submeter a ela. Por um corpo e uma escolha livre. A saúde psicológica começa nesse ponto.

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